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      Visão de jogo
      Pedro Silva
      2018/09/24
      E5
      Espaço de análise da actualidade desportiva, onde o comportamento, a emoção e a razão têm lugar privilegiado. Uma visão diferente sobre o jogo, para que o jogo seja diferente.

      O estranho caso de Benjamin Button é um conto de F. Scott Fitzgerald escrito nos anos 20 do século passado, adaptado ao cinema em 2008 por David Fincher, no qual Brad Pitt interpreta o papel de Benjamin Button, um bebé que nasce com a aparência e doenças físicas de um homem idoso, para quem o tempo parece correr ao contrário: nasce velho, morre novo.

      Quem conhecia Benjamin, via nele alguém estranho: a aparência não condizia com a imaturidade, os comportamentos não se adaptavam à idade, as relações eram diferentes e não teria uma vida comum.

      O estranho caso de José Mourinho é um conto dos dias de hoje e narra a história de um homem que nasceu, cresceu, aprendeu, amadureceu, viveu para o futebol e o revolucionou. É um filme interpretado pelo próprio, cuja história começa antes de ser revelada e que fomos conhecendo no início deste século. Neste filme, as principais cenas transmitem todas o mesmo: rutura metodológica no processo de treino, liderança impactante na relação com os jogadores, inovação e carisma na relação com a imprensa. E vitórias, muitas vitórias, dentro de campo e fora dele.

      Quem conhecia José Mourinho, via nele alguém estranho: tendo nascido e crescido no futebol, desde pequeno, pela mão do pai, Mourinho era um ser estranho ao próprio futebol e os seus comportamentos surpreendiam, eram uma lufada de ar fresco; a sustentação metodológica dos seus processos fazia escola; as suas relações, principalmente com a imprensa, eram assentes na confiança e numa pontinha de arrogância que, bem gerida e alicerçada em vitórias, até lhe assentava bem. Era evidente: José Mourinho não era um treinador comum.

      Desde os anos em que se afirmou a nível nacional e internacional, nomeadamente em 2004 com a conquista da Liga dos Campeões, a transferência para o Chelsea e a mítica frase “I’m a special one!” a carreira de Mourinho ganhou uma dimensão mundial e os seus resultados consolidavam-no como o melhor do mundo. Ganhou em Inglaterra, em Itália e em Espanha, Campeonatos, Ligas dos Campeões e muito mais: ficou na história do futebol.

      Contudo, os últimos anos revelam um treinador que não é o mesmo que conhecemos no passado e por quem nos apaixonamos, é cada vez menos o treinador que temos a certeza de continuar a idolatrar no futuro.

      Quando surgiu, Mourinho sabia tudo de futebol e certamente não desaprendeu. Escolheu um caminho e fê-lo de forma única. Marcou uma era, revolucionou o futebol, fez com que muitos jovens passassem a querer ser treinadores em vez de quererem ser jogadores.

      Contudo, atualmente basta olhar profundamente para o homem José Mourinho, além do treinador, para perceber que há algo perdido. Basta ouvi-lo com atenção, escutar o que está explícito e o que está implícito, para perceber que há nele um contentamento descontente.

      Sábado, após o jogo com os Wolves, disse: “Eles jogaram como eu gosto de jogar, que é como se fosse a final do Mundial. Essa é a atitude que gosto que as minhas equipas tenham em todos os jogos. E nós não a tivemos. Essa atitude faz a diferença. É difícil ganhar jogos quando não estás neles com tudo o que tens (…) É difícil de explicar.”

      Esta e outras tiradas, nesta e noutras conferências de imprensa, se forem analisadas profundamente, são reveladoras. Quando José Mourinho pede respeito fora de campo porque o está a perder dentro dele, algo se perdeu. Quando José Mourinho identifica nas outras equipas aquilo que fez dele, e das suas equipas, únicas e vencedoras, algo mudou. Quando isso é evidente e o próprio tem dificuldade em explicá-lo, e ainda mais dificuldade em mudá-lo, algo aconteceu. É tudo pior.

      Não, não é memória curta. Eu vi bem como Mourinho ganhou e conquistou o Mundo, como vejo bem agora que há algo de muito errado. Mesmo o estatuto que ganhou não invalida que seja criticável. Vendo jogar este Man Utd, mesmo que se identifique a intenção de a equipa jogar melhor além do puro «resultadismo», falta-lhe aquilo que as suas equipas mais marcantes tinham de forma evidente: alma vencedora, ambição, fome de vencer. Esta equipa é tudo menos isso. Neste momento, nem o próprio é a imagem disso.

      Mourinho tornou-se no melhor treinador português e um dos melhores do Mundo. De sempre! Mas, pensemos friamente: hoje, ainda é o treinador cujas equipas gostamos de ver jogar e ganhar, por quem os portugueses torcem também um pouco?

      No futebol de hoje, ainda alguém quer ser José Mourinho?



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