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      Visão de jogo
      Pedro Silva

      És tu, Rui Vitória?

      2018/09/28
      E7
      Espaço de análise da actualidade desportiva, onde o comportamento, a emoção e a razão têm lugar privilegiado. Uma visão diferente sobre o jogo, para que o jogo seja diferente.

      Há uma frase de José Ortega y Gasset que diz que “nós somos nós e a nossa circunstância.” Talvez por isso, no futebol de hoje em geral, e num contexto desportivo tão pobre como o português em particular, é difícil que os intervenientes não se deixem influenciar pelos estímulos negativos que chegam do todo o lado: da tutela aos jogos de infantis, das bancadas aos bancos de suplentes, dos gabinetes dos dirigentes às salas de imprensa, não faltam desculpas, dedos apontados, comportamentos antidesportivos, corrupção e outros pecados diversos, o que prova que uma coisa é a cultura desportiva e outra são os títulos conquistados. Principalmente no futebol.

      Torna-se assim difícil encontrar bons exemplos, diferenciadores na atitude, exemplares no comportamento, lúcidos nas análises e competentes na sua função. No futebol, e com o impacto mediático que tem, contam-se pelos dedos das mãos os que fazem realmente a diferença e são, de facto, diferentes, ao longo dos anos. Quero dizer, os que realmente são, não os que apenas parecem.

      Rui Vitória já foi assim: exemplar, diferenciador, lúcido. Não ponho em causa a competência, essa responde apenas aos resultados ou à falta deles. O que ponho em causa é o comportamento, a atitude, a análise, a comunicação.

      Quando chegou ao Benfica viveu um momento duro, que só o próprio saberá dizer o quanto lhe custou. Foi maltratado por um colega de profissão e foi um Senhor, com S maiúsculo, mesmo quando foi desconsiderado e desvalorizado em público. Foi assertivo, não deu a outra face mas também não partiu para a ofensa gratuita, uma tentação a que resistiu muito bem. Fez o seu trabalho e venceu, afirmou-se com todo o mérito. Mas, mudou. Ao longo das duas últimas épocas, mudou o comportamento, mudou a atitude, mudou a análise, mudou a comunicação… O treinador que agora vemos e ouvimos é uma sombra do que conhecíamos.

      Das duas uma: ou Rui Vitória está a revelar-se por estar sob pressão e a ver a sua vida a andar para trás, ou é apenas uma má fase. Estou curioso… até porque pode-se enganar algumas pessoas todo o tempo ou todas as pessoas algum tempo, mas… ninguém engana toda a gente todo o tempo. Mas talvez seja só uma fase, até porque, quando estive pessoalmente com ele há uns anos atrás, foi educadíssimo, o que reforça e é coerente com o que me dizem todos os que o conhecem bem: bom homem, educado, determinado, excelente pessoa. Isso não está nem estará em causa.

      Contudo, e mais uma vez, o empate com o Desportivo de Chaves despoletou no treinador do Benfica um conjunto de intervenções que, além do tom, revelam aquilo que julgo ser uma abordagem desastrosa. Vamos ponto a ponto:

      1º - O início do jogo“Não são as situações ideais porque há um foco muito grande, há depois um desmobilizar, depois há o saber se vai ou não haver jogo, os jogadores quer de um lado quer do outro têm de fazer um re-aquecimento e isso não é a melhor preparação para o jogo. A prova disso é a lesão do Jardel, porque é fruto destas circunstâncias todas.” – Para ser totalmente verdade, Rui Vitória devia considerar que a lesão de Jardel é aos 13’ mas que aos 3’ já vencia. Além disso, sendo uma lesão muscular, pode ter sido facilitada pelo aquecimento/paragem/re-aquecimento/jogo? Sim. Mas temos a certeza disso? Não. Quantos jogadores, em situações normais, se lesionam no início dos jogos? A lesão de Jardel prova alguma coisa? Não. Terá sido fadiga pelos 12 jogos que Jardel fez em 2 meses? Má preparação? Inadaptação? Inadequação das cargas de treino? Não sabemos… Mas o treinador do Benfica refugia-se na lesão de Jardel como prova de que não devia haver jogo e de que o início fora de tempo prejudica a sua equipa, omitindo a vantagem no marcador que obteve e que também pode ter sido consequência do impacto negativo que o atraso teve nos jogadores adversários. É preciso ver os dois lados e não atalhar para a vitimização.

      2º - A análise – “Por onde é que vamos começar, é pelo minuto 87?” É pobre, desajustada e intelectualmente desonesta, com os seus adeptos e com todos os que viram o jogo, uma análise de jogo encurtada e grosseira como esta. É certo que fica mais fácil queixar-se da expulsão, justa ou não, mas é impossível ignorar o todo. Não vale a pena tapar o sol com a peneira. Que melhor início de jogo poderia ter o Benfica do que estar em vantagem aos 3 minutos? Depois disso… Quem dominou a 1ª parte, mesmo depois desse golo de conforto? Quantas vezes a equipa desperdiçou o 2º golo? Que esquema tático defensivo e que barreira é aquela no livre que dá o 1º golo do Chaves? Como é que uma equipa candidata ao título perde duas vantagens de marcador em 15’? Porque quebrou a equipa nos minutos finais? “O minuto 87 acaba por desequilibrar a partida.” Repito: Análise pobre, desajustada e intelectualmente desonesta.

      3º - O desequilíbrio - “Custa-me a aceitar que um árbitro desequilibre um jogo desta forma.” Algo que certamente Rui Vitória sabe é que um treinador se deve focar nas variáveis que controla, e não nas restantes. E não, não foi o árbitro que desequilibrou a partida. O que desequilibrou a partida foi a incapacidade de a sua equipa dominar o jogo e fechar o resultado. O que desequilibrou a partida foi a determinação do Chaves que reagiu por duas vezes à desvantagem no marcador. O que desequilibrou a partida foi o talento de Ghazaryan. O que desequilibrou a partida foi o erro de Vlachodimos e a sua barreira de dois jogadores num livre frontal. O que desequilibrou a partida foi a alteração para um sistema tático com menos médios e mais espaço no meio-campo, que o Chaves aproveitou para construir o 2º golo, entre toques de calcanhar e tabelas até uma finalização de qualidade. Isto é que desequilibrou a partida… ou equilibrou, para ser mais verdadeiro. Aliás, o problema é mesmo esse, o equilíbrio do que se viu em campo contra o desequilíbrio dos orçamentos que o treinador há dias referia. 2-2 em golos, 3-3 em cantos, 10-12 em remates, 49-51 em posse de bola. Portanto, um jogo equilibrado, com a exceção das faltas: o Chaves fez 12, o Benfica fez 21. Há tanto para analisar e refletir…

      4º - O respeito -“Respeitem-nos. Quando falamos na reconquista falamos de valores e do respeito que exigimos a toda a gente. Não nos respeitaram.” Quando um adversário for expulso, justa ou injustamente como Conti, Rui Vitória vai pedir desculpa por faltar ao respeito aos adversários? É que o adversário pode também dizer que lhes faltaram ao respeito. Onde estava o respeito de que fala Rui Vitória quando Ruben Dias agrediu um adversário?... e quando Samaris agrediu outro?...  O respeito não se pede: conquista-se!

      Concluindo: Rui Vitória focou-se no menos importante, resume o jogo a 7 minutos e conclui que por um jogador seu ser expulso, não há respeito. Depois, ainda disse que vai estar atento, por causa das entradas e expulsões.

      Houve um tempo em que Rui Vitória se focava no mais importante, analisava o jogo no seu todo e não pedia nada, apenas demonstrava competência, respeito e trabalhava para ter sucesso. Nesse tempo, Rui Vitória foi bi-campeão e era um Senhor. Com S maiúsculo.



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